Como escolher o nível da prática

O trecho abaixo é parte do capítulo 1, "Os Elementos", do livro A cura através da forma, da energia e da luz, de Tenzin Wangyal Rinpoche:

O poder da meditação e das práticas espirituais depende mais do praticante do que da forma da prática. Há pouco benefício quando elas são feitas sem a compreensão correta de como praticar e do que devem supostamente realizar. O praticante pode entrar numa fantasia de progresso espiritual sem que haja um verdadeiro desenvolvimento espiritual. Por exemplo, quando estamos fracos, energeticamente perturbados, deprimidos ou agarrados a uma identidade frágil, somos presa fácil para as influências negativas externas e para as confusões internas. Num momento assim, acreditar que estamos praticando uma prática elevada como o Dzogchen pode não ajudar muito. Se temos a pretensão de estar praticando uma prática superior mas não há nenhum efeito positivo, estamos apenas nos enganando. A prática mais elevada para uma pessoa é aquela que é mais eficaz, seja qual for seu nome.

Ninguém pode realmente lhe dizer que prática é melhor para você numa determinada ocasião. Você precisa compreender as práticas, como funcionam e em que situações, e depois ser implacavelmente honesto consigo mesmo sobre sua capacidade no momento. Seja claro. Não idealize. Encontre o professor certo. Estude. E então tome uma decisão. Não se trata de saber que prática é melhor num sentido abstrato, mas de saber de que prática você precisa. Se for desonesto consigo mesmo ou não investigar o que está praticando, você pode perder muitos anos, até mesmo a vida inteira, com práticas que lhe trazem pouco ou nenhum resultado.

No Ocidente, todo mundo quer a prática “mais elevada”, desejo que indica má interpretação do caminho. Todo mundo quer passar rápido pelas práticas básicas (ngön dro). Mas os grandes mestres fazem essas práticas a vida inteira. Eles continuam a contemplar a impermanência, a cultivar a compaixão, a fazer práticas de purificação, a fazer oferendas, e a praticar a Guru Yoga. Esse não é um estágio a ser superado. Os mestres e professores mais realizados fazem essas práticas e cultivam essas qualidades durante todo o caminho para os estágios mais elevados de realização porque elas sempre trazem benefícios.

A base da existência individual é a consciência vazia. Isso pode não parecer muito convidativo. Em geral, o vazio é considerado indesejável: um sentimento vazio, uma vida vazia, uma cabeça vazia ou um coração vazio são considerados negativos. Por isso, estamos preenchendo esse vazio desde o início dos tempos. Criamos identidades, coisas e histórias mas, como estamos enganados sobre o que tudo isso realmente é, nada nos satisfaz.

A prática xamanista é criar ordem naquilo que preenche o espaço, aprender a exercer poder sobre o que surge e que pode interferir conosco, e aprender a encontrar ajuda no ambiente. O xamã não se interessa muito pela filosofia abstrata. Ele aprende a se ligar às forças, a manipulá-las e a se defender delas.

A prática do sutra baseia-se na renúncia, no desinteresse por muito do que foi acumulado no espaço. Os praticantes procuram jogar fora o negativo, livrar-se do egocentrismo que lhes causou tanta dor. E procuram acabar com a ganância, com a raiva e com a ilusão que os fez infelizes por tanto tempo e manter apenas o amor, a compaixão, a fé, a equanimidade, a paz e a sabedoria.

O praticante do tantra não joga nada fora. Em vez disso, ele pega o que está à mão e transforma em beleza, em ornamentos sagrados que adornam o espaço vazio. Seres comuns e iludidos são transformados em budas. Sons são transformados em mantras sagrados. A sensação se transforma em êxtase. O praticante troca uma identidade pequena, confinada, assustada, infeliz e ansiosa por uma identidade expansiva, ilimitada, firme, alegre e tranquila.

O praticante da Grande Perfeição vive no puro espaço vazio e o aprecia. Ele abre mão de tudo, até mesmo do senso de eu, e tudo se dissolve na base ilimitada, o kunzhi, da qual todos os fenômenos surgem como pura luz e pura experiência. Tudo é vazio e o vazio é suficiente. É tudo muito espaçoso e luminoso.

Então, qual é a prática que lhe serve? A que lhe parecer apropriada no momento. Aquela à qual você se ligou e que entendeu, praticou e aplicou. Se você não conseguir resolver tudo com uma única prática, use outras. Experimente as práticas deste livro até aprender a trabalhar com elas, saber como elas o afetam e perceber que quanto mais tempo você trabalhar com uma prática, mais profundos serão seus efeitos. Aprenda o que funciona e de que você precisa. O caminho espiritual não é uma jornada passiva: você não vai simplesmente atrás do que alguém diz. Você tem que investigar, inquirir, experimentar. Você precisa investir seu tempo, sua vida e você mesmo no caminho. Então, você descobrirá que o caminho se revela para você. Ou seja, seguir o caminho é também descobrir o caminho.

 

 

Trechos de livros

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